OFICINA EXERCÍCIOS PARA A ISOSTASIA
2022
ESCOLA DA PALAVRA
GABRIELA PERIGO
LUIZA PALHARES
Fugindo do sol encontro a feira
Fugindo do sol, essa é boa.
Tento amaciar minha condição de fugitiva
Ofegante, como salgadinho, respiro, tomo refrigerante
Um cheiro de gás carbônico e embreagem entranha meu corpo
É o caminhão de mudança
Me lembro, caio na real, algo está mudando de mim
Fugitiva, perdida, desfalcada
Quem dera o sol
Um som ecoa e passa
Ele grita:
Tens seu corpo
Suas memórias estão nele
Deixe o sol se pôr
ALESSANDRA FRATUS
Até onde vai a luz
que brota no vazio
do viaduto de concreto
armado?
por cima do viaduto
passa
outro
viaduto de concreto armado
por baixo
recado
palavra risco nome traço
presença encravada
no viaduto de concreto
armado
RENAN B.
Á espera
de um mundo cão
sazonado
fogaréu aberto
feitiço primeiro
profecia de calçada
nossa mais invariável
escuta e eminente
rota de fuga
Celebro a perda pelo acaso
descasco e queimo
fogo solene
nada mais importa
nunca mais encosta
pra se salvar
é preciso correr
em direção ao meio fio
Tava no aguardo
dos teus sinais
guardei as cartas
que não foram queimadas
ainda carrego aquilo
de correr, correr
em demasia
até te encontrar
atravessar a rua e
desejar o perigo que é
te amar
MANUELLA
de dentro do carro de som
o ritmo é outro
cruzando viaduto ora passagem ora deserto
de quem precisa de um teto
não o do bar
outro
outro carro outro som que não 30 ovos
10 reais trago o seu amor em 7 dias
pixados no muro lascado
que o cachorro late
ele para na frente da vassoura
e em alto e bom som
a pergunta
o que é limpar a cidade
esfregando o concreto
tudo cinza quando dizem
que não tem sujeira
lá onde prédio espelhado
sandálias da farm bicicletas elétricas
olhando de longe
viaduto cortando o caminho aqui
embaixo onde a mão vermelha acena
você atravessa do mesmo jeito
para
no meio do cruzamento
decide continuar andando
dá uma passadinha no escritório
estica as pernas na mesa vermelho brahma
faz carinho no vira lata caramelo
e xixi ali entre os blocos de árvore
para talvez enfim
cansar essa cidade
AYRTON
estávamos numa ponte
em cima de nós passava uma ponte
acima dela passava outra ponte
as linhas se sobrepõem
os pontos do céu
nos interrompem
eu estava dentro da máquina
e via a cidade de cima
ninguém do lado de fora
flutuava como eu
todo mundo se arrastava
pela calçada áspera
embaixo do sol
vi um homem sem camisa
que pegava coisas no chão
imaginei que naquela moto
levando na garupa um homem
estranho para nós (perguntei
para as pessoas no ônibus
e ninguém o reconheceu)
também em nossa família
ninguém o conhece
que na moto atrás do ônibus
que avançou sinais
e por vários quarteirões
não saiu de vista
a mulher de capacete e roupa preta
era minha mãe
até que saímos da avenida
JOÃO RICARDO
não é que o mapa tá errado, é que uma rua tá em cima da outra mesmo, tipo deus e presidente.
foi mal, eu fiquei confuso porque entre aqui embaixo e lá em cima tem ainda esse outro viaduto cruzando.
de boa, igual o gol do Arrasca ontem?
quê?
esquece. agora como chega lá em cima?
o quê? fala mais alto!
como que a gente chega lá em cima?
eu não tô te ouvindo, tá muito barulho.
quê?!
aquela obra ali, olha.
ahm. parece que o morro tá sendo comido aos pouquinhos aqui de baixo.
quê??!!
a gente precisa sair daqui!
como que a gente vai chegar lá em cima?!
ai, porra.
ali! uma saída pra subir o viaduto. vamo pegar carona num desses carros.
não vai dar tempo, o sinal vai abrir antes.
merda.
será que a gente vai a pé?
aquele caminhão ali de mudança!
que que tem?!
tem o celular! eu vou ligar pra ele, vou pedir pra encostar ali na frente.
quê???
vem! corre!
para.
anda, tô ligando!
abriu.
porra, abriu. porra!
e aí?
fora de área.
merda de mapa.
BRUNO
4 imagem de uma borracharia
3 pilhas de 4 5 e 9 pneus cada
2 macacos hidráulicos à deriva
1 homem se alonga e
½ que entra em ação
dentro do uno, dois homens
meio embaçado confiro
se tô de óculos—não
tá na minha cabeça
sim—miopia e astigmatismo
sei lá quantos graus
mas veja bem
não é ok, nem brincadeira
é fascismo à brasileira
caligrafia que ninguém entende
mas deveria entender.
ninguém é racista classista e elitista
mas ninguém não tá nem aí
nem sob o sol forte ou entre grades
com canos que rasgam e furam
só eles estão
os gritos
LARA LIMA
somos jovens e o sinal está fechado pra nós
ainda assim o sol nasce e se põe insistentemente
pelas frestas dos viadutos
todo dia o sol levanta
brilhando mais uma vez
para nós que somos jovens
também para as crianças
e para os velhos e os meninos aranhas
cadelas levantam atentas
aos bichos e aos humanos
dançarinos da rotina
latem para tudo que é estranho
respeitando este ritmo lento e constante
o amanhã virá
repetindo mais uma vez
um baile lento, dia após dia
para que nas noite
possamos sonhar
aaaaa